Um dilema a aflige à medida que avança pela calçada estreita demais para ela: deveria terminar primeiro a torta ou, antes, abocanhar o éclair? Seus pequeninos olhos porcinos, indecisos, olham para os acepipes presos firmemente entre seus dedos roliços. Ela é gorda, bela, voraz, gulosa e indecisa.
Finalmente, trêmula e ofegante, numa antevisão gozosa dos prazeres que as ávidas papilas da sua língua sentiriam, a gorda atocha na boca o pedaço de torta. Mastiga e engole automaticamente, num movimento simultâneo aperfeiçoado por décadas de prática. Limpa a mão na saia cinza livrando-se dos restos do creme chantilly. As listas brancas sobre a saia formam a imagem grotesca de um quadro abstrato. Ela é gorda, bela, voraz, gulosa, indecisa e lambuzona.
A gorda chega à rua Primeiro de Março, agarrando o gigantesco éclair de chocolate com as duas mãos, como se fosse um imenso falo negro. Antes que desfira a primeira dentada na cobiçada iguaria, sua bisbilhotice é atiçada por um furgão branco fosco estacionado quase na esquina da rua. O que alerta a atenção da gorda são os diversos doces e bombons expostos numa grande prateleira que sai do veículo, e o cartaz empunhado por um homem ao lado onde se lê em letras garrafais:
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Ela enfia na boca o éclair de uma só vez e se aproxima daquele Eldorado gastronômico sem saber que se avizinha da sua última tentação.