Coronel Ubiratan Ângelo, acredita que isolar escolas não é solução Paola Azevedo
O ex-comandante geral da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Coronel Ubiratan Ângelo, coordena, atualmente, um curso de pós-graduação em Segurança e Cidadania, na Universidade Candido Mendes. Como educador, o policial, hoje inativo, leva seus conhecimentos adquiridos em anos de experiência para a sala de aula em um curso que reúne operadores de segurança e profissionais de outras áreas. Sobre a polêmica que acabou por afastar de algumas universidades cursos ligados à Segurança Pública, com a justificativa de que os estudantes são profissionais da área e por isso tem permissão para portar armas, Coronel Ubiratan classifica como uma posição discriminadora contra policiais. "É um argumento insano", afirma. Em entrevista à FOLHA DIRIGIDA, entre outros assuntos, o ex-comandante faz uma avaliação das UPPs e comenta a atuação da polícia nos casos de violência que envolvem a comunidade escolar. "Planejar uma operação policial em horário escolar é totalmente arcaico. Não se admite mais. Se acontecer, está errado", critica.
FOLHA DIRIGIDA: Como ex-comandante da Polícia Militar, como vê a atual situação da violência nas escolas do Rio? É realmente dramática a situação das escolas localizadas em comunidades que oferecem riscos aos alunos, como está sendo mostrado? Coronel Ubiratan Angelo: Esse é um drama vivido há muito tempo, não é uma situação atual. É um pouco complicado pontuar a resposta para esta situação tão somente na ação da Polícia. Uma das orientações dos comandantes, acredito que ainda seja, é de que se evite incursões no horário escolar. Qualquer tipo de operação tem que ser necessariamente planejada, com um efetivo capaz de entrar na comunidade oferecendo o menor número de riscos para o policial e para a sociedade. O que acontece é que, muitas vezes, nos deparamos com situações emergenciais. Se recebemos uma denúncia de que está passando um grupo de meliantes com armas, ou há uma invasão, nós fazemos com que a polícia atue e quando isso acontece, a probabilidade de confronto é muito grande. E a situação emergencial não escolhe dia, hora, nem local. Pode ser, inclusive, em horário escolar. Eu condeno, e acredito que o atual comandante também, qualquer operação policial planejada para acontecer em horário escolar. Planejar uma operação policial em horário escolar é totalmente arcaico, não se admite mais, se acontecer está errado. Mesmo que qualquer disparo não invada a área da escola, ele gera uma situação de desconforto imensa para aquela garotada, que fica tolhida de usar os espaços públicos. O senhor falou sobre a interação da polícia com a comunidade. Na sua época como comandante da Polícia Militar, como era a interação entre as Secretarias de Educação e as Secretarias de Segurança Pública, no sentido de prevenir as ocorrências desses casos de violência nas escolas? Há de se interagir com a Secretaria Municipal e a Estadual. Posso dizer que quando eu estava comandando, a minha interação, especialmente com a Secretaria Municipal, era excelente. Com a de Educação Estadual sim, mas no entorno destes locais você encontra mais o colégio municipal. Existia um canal aberto, para que pudéssemos solucionar a maioria dos problemas. Tivemos uma série de problemas, porque pegamos uma gestão em que a polícia estava sendo caçada e conseguimos retomar a autoridade policial. Ao ocupar a Vila Cruzeiro, em um primeiro momento, houve bastante confronto, mas isso foi conversado com a comunidade escolar. Não há como você fazer um trabalho isolado do gestor público daquela área. A Secretaria de Educação não vai fazer o trabalho da PM, ou a PM vai fazer o papel da Secretaria Municipal. Eu posso garantir que nossa relação era excelente. Em um cenário ideal, as direções informariam à Polícia a ocorrência de ações violentas dentro e no entorno das escolas. A autoridade policial, por sua vez, teria condições de mapear as ocorrências e colocar em prática estratégias para dar maior segurança. Isto acontece desta forma? O mapeamento eu acredito que deve estar sendo feito. Há algo além do mapeamento. Podemos usar outras ferramentas. É necessário que reuniões de conselho comunitário que acontecem nas unidades policiais que elas tenham diretamente participação da comunidade escolar. Quando eu fui comandar a PM eu pensava que todos deveriam ter uma representatividade, direção, pais, professores, toda a comunidade escolar nessa discussão, nesses conselhos comunitários. Nós tínhamos reuniões só com a comunidade escolar, mesmo com poucos policiais. Nem sempre a polícia tem o efetivo necessário para prover o que deve prover. Mas, dessa forma, o policiamento passa a ser pontual e pró-ativo. O policiamento passa a ser preventivo, onde não há problemas. A relação não é ruim entre a comunidade escolar e policial, isso eu posso garantir. Mas, ainda tem muito o que melhorar. Melhorar no sentido mais operacional, de sentar-se à mesa do conselho de segurança. A professora é uma comandante de batalhão, ela assume um papel não convencional na Educação, ela ultrapassa os limites do convencional. Se cada escola precisa de um policial e nós não temos um policial para cada escola, é necessária uma discussão para equalizar isso. É preciso fazer um quadro de cenários de risco e ver onde é preciso atuar mais presente naquele momento, atuando e sendo mais mais pró-ativo e reprimindo algumas vezes. E outras com ações preventivas, com um número menor de efetivos, mas com os mesmos resultados. Em julho, a morte do menino Wesley, vítima de uma bala perdida durante uma operação policial, ocorrida enquanto ele estudava, comoveu a opinião pública. Como o senhor avalia a atuação da polícia neste caso? É necessário realizar uma operação policial no horário de funcionamento de uma escola? O que aconteceu foi uma infelicidade. É bastante complicado fazer uma análise desse caso. Eu lhe garanto que isso não aconteceria em Volta Redonda, Teresópolis, Campos, por exemplo, porque o enfrentamento da polícia com os criminosos nessas áreas, em outros estados é melhor ainda. Porque o enfrentamento é feito na distância universal. Eu fui treinado entre 1976 e 1978, na polícia. Lá eu aprendi, como cadete, que a média de um tiro policial era de 6 a 10 metros. Essa distância média, os confrontos mostravam que o policial estava em média a essa distante. Isso porque o policial usava uma arma 38 e o bandido 32, 22. Era raro bandidos com 38. Hoje em dia é bem diferente, não foi a polícia que mudou esse cenário. A polícia teve que se adaptar. Nos anos 70 e início dos anos 80 usava-se a arma conhecida como escopeta que tem um pequeno alcance, tem que atirar de perto. Dos anos 80 para cá, houve a inserção de armas de guerra nas mão dos criminosos, o que fez com que a polícia acompanhasse isso. Quando há uma troca de tiros com armas de calibre 38, acima de 50 metros não há um potencial letal tão acentuado dessa arma, a probabilidade de um fato desse como no caso do menino Wesley, a tendência é zero. Hoje, quando alguém atira há a possibilidade de um tiro certeiro de 200 a 300 metros, uma arma com potencial que a essa distância como se fosse perto. A partir do caso do menino Wesley, surgiram algumas propostas como blindar janelas de escolas, colocar patrulhas em frente a escolas em áreas de risco, etc. O que o senhor acha deste tipo de proposta? São propostas complicadas. Não são a solução. São medidas paliativas que, em alguns casos, salvariam vidas. Quando você blinda uma escola, você está dizendo que não tem jeito, que ali é um cenário de disparo. Eu não colocaria o meu filho em uma escola que precisa ser blindada para ele ter aula, porque ele vai precisar entrar e sair da escola. Precisamos atuar em cima do fenômeno sociológico, para encontrar a solução. É trabalhar na causa. Esses espaços blindados, murados, escondidos, isolados reforçam a ideia de gueto. A tendência é jamais acabarmos com isso. Esses isolamentos sociais têm que ser substituídos por transformações sociais. Como avalia as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs)? Elas seriam uma solução para inibir a violência no ambiente escolar? Essa é a lógica da massificação do policiamento. Na verdade, Nazareth Cerqueira apontava que essa devia ser a lógica dessas áreas e criou o GAPE (Grupamento de Aplicação Prática Escolar), que foi a origem do GPAE (Grupamento de Policiamento em Áreas Especiais) e é a mesma lógica das UPPs (Unidade de Policiamento Pacificadora). São poucas as diferenças entre elas. Mas juntando as três lógicas, onde você coloca o policiamento, você tem os seguintes ganhos: a comunidade é a mesma, a presença do policial diminui a área do confronto, ou seja, a possibilidade do embate, pois ele está ali observando, sabe quem é quem, as pessoas conhecem ele. Às vezes aquela dificuldade que as pessoas das comunidades têm de chamar a polícia por medo, reduz. E às vezes, um simples sinal, já demonstra uma diferença, e o policial consegue agir reduzindo a possibilidade do confronto. Além disso, existe a lógica da interação, no qual é feito um treinamento para os policiais de relacionamento interpessoal e polícia comunitária que faz com que ele passe a interagir com a comunidade e se sentir parte, mesmo que não more ali. Ou seja, o seu espaço laborativo é a sua comunidade do trabalho. O objetivo de Nazareth Cerqueira, é que o policial tire o foco do bandido e coloque o foco no cidadão. O senhor coordena, atualmente, um curso de pós-graduação em Segurança e Cidadania. Como funciona o curso e quais seus objetivos? O Ministério da Justiça, através da Secretaria Nacional de Segurança Pública, criou a Renaesp (Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública), com a ideia de capacitação dos operadores de Segurança Pública, entendidos por policiais, guardas municipais, agentes penitenciários, bombeiros-militares, entre outros, em uma visão muito mais ampla de segurança pública. Eu sou da Candido Mendes, que está realizando o segundo curso de pós-graduação da Renaesp. Tem em outras universidades também, inclusive públicas. Lá o curso é de Segurança e Cidadania e é feito no Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CeSec), coordenado pela professora Barbara Musumeci Soares. Eu entro como voluntário nesse curso, por ser professor da faculdade, e estou com ela na coordenação. Esse curso trabalha com 50 alunos, dos quais 40 são operadores de segurança e 10 não operadores. As pessoas fazem um concurso já sabendo dessas regras. Uma das características desse curso é a pluralidade, ele é multidisciplinar. O curso tem 360 horas e duração de um ano. Quando discutimos segurança em um cenário de não policiais, temos um foco; se discutimos em um cenário de policiais você vai ter outro foco. Nós mixamos esse cenário. Temos 10 pesquisadores graduados de qualquer área e 40 operadores, que não são apenas policiais. Fizemos a mesma coisa também no corpo docente, não nessa proporção, temos professores policiais e não policiais. O curso, além de ser democrático por ser público, é plural. É democrático no que tange à hierarquia. Para nós não importa se é um coronel ou um soldado que está fazendo a prova. Lá você vai encontrar soldado, major, cabo, sargento, coronel, guarda municipal. Isso é muito bom porque o soldado que se interessa em se capacitar contamina outros soldados, porque vêem que tem um resposta no ambiente niversitário. É um casamento muito bom da Universidade Candido Mendes, da Secretaria Nacional de Segurança Pública e da comunidade de Segurança do Rio de Janeiro. Há uma crítica sobre a questão de as universidades oferecem cursos em segurança pública, já que, estes são destinados à profissionais da área, que, em geral, andam armados e poderiam assim, oferecer riscos aos demais estudantes dentro do campus. Qual sua posição a respeito desse assunto? Eu acho essa é uma posição discriminadora contra policiais. Há um preconceito contra uma classe colaborativa ou a uma classe social, as pessoas inventam argumentos para ratificar sua discriminação e contaminar outras pessoas. Essas pessoas que falam isso, quando estão na praia, estão preocupadas se o policial está armado? Essas pessoas que falam isso, quando estão andando na rua estão preocupadas se o policial está armado? Essas pessoas quando estão na sua rua e não tem policiais, elas pedem policiais desarmados para não serem atingidas? Elas estão mentindo, porque são discriminadoras e querem contaminar pessoas do bem com as sua discriminação. Você entra no banco, você tem seguranças privados amados. Então essas pessoas não entram em banco, porque pode ocorrer algum aidente? Eu só vou concordar com essas pessoas se elas não andassem nas ruas, não entrassem em bancos, não passassem perto de patrulhas ou nunca pedissem aulhas. É um argumento insano. De que forma cursos como este podem contribuir para melhorar a estruturação de políticas públicas na área de segurança? Nesse curso você não só discute estratégias repressivas, não como policial. A análise é das políticas públicas voltadas para a segurança. A busca de criar ferramentas institucionais e cidadãs para que os operadores possam trabalhar os não operadores possam fomentar, discutir. Uma das coisas que melhorou muito essa relação entre a polícia e a comunidade, e isso eu vou ter que colocar no nosso altar a Coronel Nazaré Cerqueira, que é uma pessoa que interferiu na visão o Brasil. Dentro das estratégias dela, lá atrás, nos anos 80 e 90, foi trazer a universidade para a polícia e levar a polícia para a universidade, ou seja, discutir com a universidade, com os pesquisadores. Até a década de 80, a Segurança Pública era tratada como combate apenas. A Polícia Militar era formada pelos manuais do Exército. Eu posso falar isso, porque eu fui cadete de 76 a 78 e sei formação que eu tive. Eu não estou questionando os meus formadores ou os manuais do Exército. Só que os manuais do Exército foram criados para treinamento de Exército que são excelentes. As questões que eu precisava aprender para tratar o cidadão, para colocar o foco no cidadão, em ser um servidor e um protetor do cidadão não constava nesses manuais. A abordagem antropológica a discussão sociológica da relação da polícia e da sociedade. Esses manuais eram feitos com outro objetivo.
O ex-comandante geral da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Coronel Ubiratan Ângelo, coordena, atualmente, um curso de pós-graduação em Segurança e Cidadania, na Universidade Candido Mendes. Como educador, o policial, hoje inativo, leva seus conhecimentos adquiridos em anos de experiência para a sala de aula em um curso que reúne operadores de segurança e profissionais de outras áreas. Sobre a polêmica que acabou por afastar de algumas universidades cursos ligados à Segurança Pública, com a justificativa de que os estudantes são profissionais da área e por isso tem permissão para portar armas, Coronel Ubiratan classifica como uma posição discriminadora contra policiais. "É um argumento insano", afirma. Em entrevista à FOLHA DIRIGIDA, entre outros assuntos, o ex-comandante faz uma avaliação das UPPs e comenta a atuação da polícia nos casos de violência que envolvem a comunidade escolar. "Planejar uma operação policial em horário escolar é totalmente arcaico. Não se admite mais. Se acontecer, está errado", critica.
FOLHA DIRIGIDA: Como ex-comandante da Polícia Militar, como vê a atual situação da violência nas escolas do Rio? É realmente dramática a situação das escolas localizadas em comunidades que oferecem riscos aos alunos, como está sendo mostrado? Coronel Ubiratan Angelo: Esse é um drama vivido há muito tempo, não é uma situação atual. É um pouco complicado pontuar a resposta para esta situação tão somente na ação da Polícia. Uma das orientações dos comandantes, acredito que ainda seja, é de que se evite incursões no horário escolar. Qualquer tipo de operação tem que ser necessariamente planejada, com um efetivo capaz de entrar na comunidade oferecendo o menor número de riscos para o policial e para a sociedade. O que acontece é que, muitas vezes, nos deparamos com situações emergenciais. Se recebemos uma denúncia de que está passando um grupo de meliantes com armas, ou há uma invasão, nós fazemos com que a polícia atue e quando isso acontece, a probabilidade de confronto é muito grande. E a situação emergencial não escolhe dia, hora, nem local. Pode ser, inclusive, em horário escolar. Eu condeno, e acredito que o atual comandante também, qualquer operação policial planejada para acontecer em horário escolar. Planejar uma operação policial em horário escolar é totalmente arcaico, não se admite mais, se acontecer está errado. Mesmo que qualquer disparo não invada a área da escola, ele gera uma situação de desconforto imensa para aquela garotada, que fica tolhida de usar os espaços públicos. O senhor falou sobre a interação da polícia com a comunidade. Na sua época como comandante da Polícia Militar, como era a interação entre as Secretarias de Educação e as Secretarias de Segurança Pública, no sentido de prevenir as ocorrências desses casos de violência nas escolas? Há de se interagir com a Secretaria Municipal e a Estadual. Posso dizer que quando eu estava comandando, a minha interação, especialmente com a Secretaria Municipal, era excelente. Com a de Educação Estadual sim, mas no entorno destes locais você encontra mais o colégio municipal. Existia um canal aberto, para que pudéssemos solucionar a maioria dos problemas. Tivemos uma série de problemas, porque pegamos uma gestão em que a polícia estava sendo caçada e conseguimos retomar a autoridade policial. Ao ocupar a Vila Cruzeiro, em um primeiro momento, houve bastante confronto, mas isso foi conversado com a comunidade escolar. Não há como você fazer um trabalho isolado do gestor público daquela área. A Secretaria de Educação não vai fazer o trabalho da PM, ou a PM vai fazer o papel da Secretaria Municipal. Eu posso garantir que nossa relação era excelente. Em um cenário ideal, as direções informariam à Polícia a ocorrência de ações violentas dentro e no entorno das escolas. A autoridade policial, por sua vez, teria condições de mapear as ocorrências e colocar em prática estratégias para dar maior segurança. Isto acontece desta forma? O mapeamento eu acredito que deve estar sendo feito. Há algo além do mapeamento. Podemos usar outras ferramentas. É necessário que reuniões de conselho comunitário que acontecem nas unidades policiais que elas tenham diretamente participação da comunidade escolar. Quando eu fui comandar a PM eu pensava que todos deveriam ter uma representatividade, direção, pais, professores, toda a comunidade escolar nessa discussão, nesses conselhos comunitários. Nós tínhamos reuniões só com a comunidade escolar, mesmo com poucos policiais. Nem sempre a polícia tem o efetivo necessário para prover o que deve prover. Mas, dessa forma, o policiamento passa a ser pontual e pró-ativo. O policiamento passa a ser preventivo, onde não há problemas. A relação não é ruim entre a comunidade escolar e policial, isso eu posso garantir. Mas, ainda tem muito o que melhorar. Melhorar no sentido mais operacional, de sentar-se à mesa do conselho de segurança. A professora é uma comandante de batalhão, ela assume um papel não convencional na Educação, ela ultrapassa os limites do convencional. Se cada escola precisa de um policial e nós não temos um policial para cada escola, é necessária uma discussão para equalizar isso. É preciso fazer um quadro de cenários de risco e ver onde é preciso atuar mais presente naquele momento, atuando e sendo mais mais pró-ativo e reprimindo algumas vezes. E outras com ações preventivas, com um número menor de efetivos, mas com os mesmos resultados. Em julho, a morte do menino Wesley, vítima de uma bala perdida durante uma operação policial, ocorrida enquanto ele estudava, comoveu a opinião pública. Como o senhor avalia a atuação da polícia neste caso? É necessário realizar uma operação policial no horário de funcionamento de uma escola? O que aconteceu foi uma infelicidade. É bastante complicado fazer uma análise desse caso. Eu lhe garanto que isso não aconteceria em Volta Redonda, Teresópolis, Campos, por exemplo, porque o enfrentamento da polícia com os criminosos nessas áreas, em outros estados é melhor ainda. Porque o enfrentamento é feito na distância universal. Eu fui treinado entre 1976 e 1978, na polícia. Lá eu aprendi, como cadete, que a média de um tiro policial era de 6 a 10 metros. Essa distância média, os confrontos mostravam que o policial estava em média a essa distante. Isso porque o policial usava uma arma 38 e o bandido 32, 22. Era raro bandidos com 38. Hoje em dia é bem diferente, não foi a polícia que mudou esse cenário. A polícia teve que se adaptar. Nos anos 70 e início dos anos 80 usava-se a arma conhecida como escopeta que tem um pequeno alcance, tem que atirar de perto. Dos anos 80 para cá, houve a inserção de armas de guerra nas mão dos criminosos, o que fez com que a polícia acompanhasse isso. Quando há uma troca de tiros com armas de calibre 38, acima de 50 metros não há um potencial letal tão acentuado dessa arma, a probabilidade de um fato desse como no caso do menino Wesley, a tendência é zero. Hoje, quando alguém atira há a possibilidade de um tiro certeiro de 200 a 300 metros, uma arma com potencial que a essa distância como se fosse perto. A partir do caso do menino Wesley, surgiram algumas propostas como blindar janelas de escolas, colocar patrulhas em frente a escolas em áreas de risco, etc. O que o senhor acha deste tipo de proposta? São propostas complicadas. Não são a solução. São medidas paliativas que, em alguns casos, salvariam vidas. Quando você blinda uma escola, você está dizendo que não tem jeito, que ali é um cenário de disparo. Eu não colocaria o meu filho em uma escola que precisa ser blindada para ele ter aula, porque ele vai precisar entrar e sair da escola. Precisamos atuar em cima do fenômeno sociológico, para encontrar a solução. É trabalhar na causa. Esses espaços blindados, murados, escondidos, isolados reforçam a ideia de gueto. A tendência é jamais acabarmos com isso. Esses isolamentos sociais têm que ser substituídos por transformações sociais. Como avalia as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs)? Elas seriam uma solução para inibir a violência no ambiente escolar? Essa é a lógica da massificação do policiamento. Na verdade, Nazareth Cerqueira apontava que essa devia ser a lógica dessas áreas e criou o GAPE (Grupamento de Aplicação Prática Escolar), que foi a origem do GPAE (Grupamento de Policiamento em Áreas Especiais) e é a mesma lógica das UPPs (Unidade de Policiamento Pacificadora). São poucas as diferenças entre elas. Mas juntando as três lógicas, onde você coloca o policiamento, você tem os seguintes ganhos: a comunidade é a mesma, a presença do policial diminui a área do confronto, ou seja, a possibilidade do embate, pois ele está ali observando, sabe quem é quem, as pessoas conhecem ele. Às vezes aquela dificuldade que as pessoas das comunidades têm de chamar a polícia por medo, reduz. E às vezes, um simples sinal, já demonstra uma diferença, e o policial consegue agir reduzindo a possibilidade do confronto. Além disso, existe a lógica da interação, no qual é feito um treinamento para os policiais de relacionamento interpessoal e polícia comunitária que faz com que ele passe a interagir com a comunidade e se sentir parte, mesmo que não more ali. Ou seja, o seu espaço laborativo é a sua comunidade do trabalho. O objetivo de Nazareth Cerqueira, é que o policial tire o foco do bandido e coloque o foco no cidadão. O senhor coordena, atualmente, um curso de pós-graduação em Segurança e Cidadania. Como funciona o curso e quais seus objetivos? O Ministério da Justiça, através da Secretaria Nacional de Segurança Pública, criou a Renaesp (Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública), com a ideia de capacitação dos operadores de Segurança Pública, entendidos por policiais, guardas municipais, agentes penitenciários, bombeiros-militares, entre outros, em uma visão muito mais ampla de segurança pública. Eu sou da Candido Mendes, que está realizando o segundo curso de pós-graduação da Renaesp. Tem em outras universidades também, inclusive públicas. Lá o curso é de Segurança e Cidadania e é feito no Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CeSec), coordenado pela professora Barbara Musumeci Soares. Eu entro como voluntário nesse curso, por ser professor da faculdade, e estou com ela na coordenação. Esse curso trabalha com 50 alunos, dos quais 40 são operadores de segurança e 10 não operadores. As pessoas fazem um concurso já sabendo dessas regras. Uma das características desse curso é a pluralidade, ele é multidisciplinar. O curso tem 360 horas e duração de um ano. Quando discutimos segurança em um cenário de não policiais, temos um foco; se discutimos em um cenário de policiais você vai ter outro foco. Nós mixamos esse cenário. Temos 10 pesquisadores graduados de qualquer área e 40 operadores, que não são apenas policiais. Fizemos a mesma coisa também no corpo docente, não nessa proporção, temos professores policiais e não policiais. O curso, além de ser democrático por ser público, é plural. É democrático no que tange à hierarquia. Para nós não importa se é um coronel ou um soldado que está fazendo a prova. Lá você vai encontrar soldado, major, cabo, sargento, coronel, guarda municipal. Isso é muito bom porque o soldado que se interessa em se capacitar contamina outros soldados, porque vêem que tem um resposta no ambiente niversitário. É um casamento muito bom da Universidade Candido Mendes, da Secretaria Nacional de Segurança Pública e da comunidade de Segurança do Rio de Janeiro. Há uma crítica sobre a questão de as universidades oferecem cursos em segurança pública, já que, estes são destinados à profissionais da área, que, em geral, andam armados e poderiam assim, oferecer riscos aos demais estudantes dentro do campus. Qual sua posição a respeito desse assunto? Eu acho essa é uma posição discriminadora contra policiais. Há um preconceito contra uma classe colaborativa ou a uma classe social, as pessoas inventam argumentos para ratificar sua discriminação e contaminar outras pessoas. Essas pessoas que falam isso, quando estão na praia, estão preocupadas se o policial está armado? Essas pessoas que falam isso, quando estão andando na rua estão preocupadas se o policial está armado? Essas pessoas quando estão na sua rua e não tem policiais, elas pedem policiais desarmados para não serem atingidas? Elas estão mentindo, porque são discriminadoras e querem contaminar pessoas do bem com as sua discriminação. Você entra no banco, você tem seguranças privados amados. Então essas pessoas não entram em banco, porque pode ocorrer algum aidente? Eu só vou concordar com essas pessoas se elas não andassem nas ruas, não entrassem em bancos, não passassem perto de patrulhas ou nunca pedissem aulhas. É um argumento insano. De que forma cursos como este podem contribuir para melhorar a estruturação de políticas públicas na área de segurança? Nesse curso você não só discute estratégias repressivas, não como policial. A análise é das políticas públicas voltadas para a segurança. A busca de criar ferramentas institucionais e cidadãs para que os operadores possam trabalhar os não operadores possam fomentar, discutir. Uma das coisas que melhorou muito essa relação entre a polícia e a comunidade, e isso eu vou ter que colocar no nosso altar a Coronel Nazaré Cerqueira, que é uma pessoa que interferiu na visão o Brasil. Dentro das estratégias dela, lá atrás, nos anos 80 e 90, foi trazer a universidade para a polícia e levar a polícia para a universidade, ou seja, discutir com a universidade, com os pesquisadores. Até a década de 80, a Segurança Pública era tratada como combate apenas. A Polícia Militar era formada pelos manuais do Exército. Eu posso falar isso, porque eu fui cadete de 76 a 78 e sei formação que eu tive. Eu não estou questionando os meus formadores ou os manuais do Exército. Só que os manuais do Exército foram criados para treinamento de Exército que são excelentes. As questões que eu precisava aprender para tratar o cidadão, para colocar o foco no cidadão, em ser um servidor e um protetor do cidadão não constava nesses manuais. A abordagem antropológica a discussão sociológica da relação da polícia e da sociedade. Esses manuais eram feitos com outro objetivo.
(Folha Dirigida, 05/08/2010 - Rio de Janeiro RJ-Clipping 06.08.2010)
1 Comentário:
Parabéns pelo seu blog, já o adicionei à minha lista.
Educação, diálogo e debate são as únicas armas eficazes para combater e erradicar a violência.
A repressão, as grades e o fuzil simplesmente combatem os efeitos da violência, deixando intactas as suas raízes.
Somente com educação poderemos interromper esse círculo vicioso.
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