As universidades públicas brasileiras tradicionais, com as honrosas exceções de sempre, apresentam produção científica modesta e um dos mais elevados custos por aluno do planeta. Suas coirmãs mais novas criadas nos últimos anos vieram ao mundo com defeitos de mesma natureza. Muitas dessas universidades têm quadros de professores inflados, salas de aula praticamente vazias e taxas de evasão que fazem refletir sobre sua real utilidade. Elas se parecem com as escolas mais maduras até mesmo na coexistência de ilhas de excelência com escolas de desempenho sofrível. Oito dessas novas instituições já tiveram cursos avaliados pelo Exame Nacional de Desempenho de Estudantes, o Enade. Em cinco delas, em uma escala de 1 a 5, as notas foram excelentes, beirando o limite superior. Nesse patamar se destacam a Escola de Ciências da Saúde de Porto Alegre e a Tecnológica do Paraná. Duas escolas ficaram com a nota 3, e com a pior avaliação, a nota 1, aparece a Federal do Recôncavo da Bahia. Um levantamento de treze instituições inauguradas a partir de 2005 revela que o número de vagas ociosas gira em torno de 20%, chegando a atingir 40% – mais de quatro vezes a média das federais que funcionam há mais tempo. Tome-se o exemplo da Universidade Federal do ABC, na cidade de Santo André, em São Paulo. Ali se está diante de um caso de inoperância difícil de ser superado. Desde que ela abriu as portas, em 2006, nenhum reitor ficou no cargo mais de um ano. A evasão escolar chegou a 46%. Esse desastre ocorre em uma instituição onde cada grupo de seis alunos conta com um professor – um luxo que não se pode achar nem nas mais caras escolas superiores privadas dos países mais ricos do mundo. Quem paga o descalabro? Você, leitor, com os impostos que lhe consomem o suor do rosto durante cinco dos doze meses do ano. Confrontado com o cenário absurdo, Júlio Facó, assessor da reitoria, minimiza o problema: "O que falta à universidade é consolidar o nome, e só". A Federal do ABC é uma das treze universidades cuja faixa inaugural foi cortada pelo presidente Lula – quatro delas criadas do zero e as outras nove, que já funcionavam como faculdades, alçadas à condição de universidade ao cabo de processos de expansão. A imponência dos prédios contrasta com a alta ociosidade nas salas de aula. Isso se deve ao fato de que muitas das escolas foram erguidas em regiões de demografia rarefeita ou distantes de sua clientela potencial. A Universidade do Recôncavo da Bahia é um exemplo disso. Ela foi instalada em Cruz das Almas, cidade de 57 000 habitantes. Em um país como o Brasil, em que das 5 565 cidades cerca de 500 possuem população acima de 50 000 habitantes, Cruz das Almas não pode ser classificada como uma localidade erma. Com apenas 800 jovens matriculados no ensino médio, a cidade da Bahia, nacionalmente famosa por sua temerária "guerra das espadas", travada durante os festejos de São João, não tem densidade educacional para abastecer de alunos uma universidade. Diz o consultor Ryon Braga: "A demanda real, na maioria dos casos, foi solenemente ignorada". O tipo de curso oferecido por essas instituições é outro fator que contribui para o desperdício dos impostos e a imensa ociosidade. As novas federais têm como um dos focos a formação de professores, uma carreira nobre, necessária, mas que atrai apenas 2% dos jovens brasileiros que concluem o ensino médio. O reitor Dilvo Ristoff, da Universidade Federal da Fronteira Sul, sediada em Chapecó, em Santa Catarina, dá voz ao pensamento oficial: "É um dever patriótico oferecer cursos de licenciatura". Dever mesmo seria conseguir alunos. Oito cursos de licenciatura da escola do professor Ristoff não tiveram sequer um candidato por vaga na sala de aula. A Federal do ABC, por seu turno, surgiu para atender a uma demanda dos sindicatos da região, que hoje se fazem presentes na universidade em mais de uma frente. Além de organizarem debates no núcleo de ciência e tecnologia, eles influenciam projetos de pesquisa. No município de Laranjeiras do Sul, no interior do Paraná, a federal da Fronteira Sul, que funciona em outros quatro endereços, fincou um câmpus próximo a um assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Na semana passada, durante a aula inaugural dos cursos de educação do campo e de desenvolvimento rural, ambos de nível superior, agitavam-se bandeiras do movimento aos gritos de "Viva o MST". Será preciso aferir com frequência a qualidade do ensino oferecido por essas instituições sob pena de que elas sirvam apenas de foco de apoio logístico a invasores de terras. Ninguém discorda de que é imperativo para o país ampliar o acesso ao ensino superior, em que só ingressa hoje um de cada quatro jovens – um terço da média registrada nos Estados Unidos. Sabe-se que 50% dos alunos brasileiros que se formam no ensino médio a cada ano, um grupo de 1,2 milhão de estudantes, estão longe da sala de aula porque não conseguiram vaga numa faculdade pública, tampouco têm dinheiro para arcar com uma particular. A questão que se coloca é como incluí-los de forma menos dispendiosa e mais eficaz. As universidades públicas brasileiras, afinal, chamam atenção no mundo inteiro por dragar altas somas de dinheiro. Cada aluno custa à União 13 000 dólares por ano. Esse valor, em relação ao PIB per capita do país, é o triplo do custo por estudante nos países da OCDE (organização que reúne os mais desenvolvidos), que oferecem, por sua vez, um ensino muito melhor. O dado se torna ainda pior se confrontado com a produção acadêmica, quesito em que o Brasil responde por apenas 1,8% das citações em revistas de relevo internacional. Até hoje, nenhum pesquisador brasileiro foi agraciado com um Prêmio Nobel, ao passo que os argentinos, por exemplo, já levaram cinco. Resume o economista Claudio de Moura Castro, articulista de VEJA e especialista em educação: "Criar novas universidades públicas é reproduzir um sistema de ensino ineficiente, que envolve altos gastos e baixa produtividade". O programa de expansão das universidades federais do governo Lula, que já criou 63 000 vagas desde 2003, consumiu 1,6 bilhão de reais. Solução menos onerosa, concordam os especialistas, seria fazer uso de pelo menos uma parte de 1 milhão de vagas atualmente ociosas em faculdades particulares, por meio do Programa Universidade para Todos (ProUni), do próprio governo federal. Ao conceder bolsas a jovens de renda mais baixa, o ProUni abarca hoje apenas 8% dos egressos do ensino médio que ficam de fora da sala de aula. A experiência internacional enfatiza ainda a relevância de trazer ao debate outra mudança no ensino superior brasileiro, esta radical: cobrar mensalidade em universidades públicas daqueles que podem pagar. Diz o economista Gustavo Ioschpe: "Foi o que tornou financeiramente viável a existência de universidades que primam pela excelência nos países mais desenvolvidos". A questão do acesso à universidade, no entanto, não pode passar ao largo de um problema anterior, o da péssima qualidade do ensino médio, do qual só saem 35% dos jovens que ingressaram nele. Desatar esse nó deveria ser prioritário – mas seria, sem dúvida, bem menos visível para os eleitores do que abrir novas universidades a toque de caixa. Com reportagem de João Figueiredo.
segunda-feira, 19 de abril de 2010
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